J.M.C, sexo masculino, branco, 44 anos, 3º grau completo, gerente de banco, separado, um filho.
Há
três anos, J. sofreu um assalto na agência bancária onde era gerente
administrativo: quatro homens armados, um deles com uma granada,
entraram no banco, ameaçaram-no e agrediram-no fisicamente. Optou por
abrir o cofre que tinha mais dinheiro por medo de ser morto. Teve uma
arma colocada dentro de sua boca, e ao final, foi trancado no cofre,
onde ficou por cerca de uma hora. Após o assalto, sem ser socorrido,
teve de ir sozinho à delegacia.
Nos
dias subseqüentes, para conseguir trabalhar, passava na roleta da
agência e voltava várias vezes, muito sobressaltado, tremia e sentia
calafrios. Emagreceu 12 kg em 2 meses. Desde então, não consegue mais
permanecer em locais fechados nem utilizar elevador, mesmo tendo de
subir mais de dez andares. Não dirige mais. Passou a sentir-se em
permanente estado de alerta, com a impressão de estar sendo seguido
ou de que poderia acontecer-lhe alguma coisa a qualquer momento;
sente-se ameaçado, principalmente por homens negros (um dos
assaltantes era negro). O coração fica acelerado, tem dificuldade de
respirar e mal-estar. Refere pesadelos freqüentes sobre o assalto e
temas relacionados. Tem sensação de insegurança quando anoitece, por
isso evita sair à noite. Após o assalto, ficou descuidado com a
aparência, distanciou-se de amigos e familiares, não saía de casa,
tinha crises de choro, dificuldade de concentração e ideação suicida.
Em
junho de 2002, foi encaminhado para tratamento psiquiátrico. O
psiquiatra emitiu uma Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), a
qual não foi aceita pelo banco. Foi então encaminhado ao Núcleo de Saúde
do Trabalhador da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro
(NUSAT) e ao Sindicato dos Bancários, e a seguir, para o Projeto de
Atenção à Saúde Mental dos Trabalhadores do Instituto de Psiquiatria
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PRASMET/IPUB/UFRJ), para
avaliação do nexo causal entre o quadro clínico apresentado e o
trabalho.
Atualmente,
apresenta melhora do humor, porém ainda tem medo de locais fechados,
insegurança, principalmente quando está sozinho. Às vezes, tem a
sensação de que pode estar sendo seguido. Não consegue passar perto
de carros-fortes ou agências bancárias. Tem pesadelos e não consegue
mais dirigir. Faz tratamento psiquiátrico e psicoterápico (terapia
cognitivo-comportamental) e está em uso de cloridrato de fluoxetina
40 mg/dia, mirtazapina 30 mg/dia, alprazolam 3 mg/dia, risperidona 2
mg/dia, flurazepam 30 mg/dia e tratamento de hipertensão arterial
sistêmica e prolapso de valva mitral. Recebe auxílio-doença desde
outubro de 2002.
DISCUSSÃO
Esse
quadro clínico caracteriza o Transtorno de Estresse Pós-Traumático
(TEPT), cuja tríade de dimensões psicopatológicas são: 1)
revivescência do trauma; 2) esquiva a estímulos que relembrem o trauma
e distanciamento afetivo; e 3) hiperestimulação autonômica.
Esse
caso de TEPT foi classificado como relacionado ao trabalho porque o
trauma que o causou caracteriza-se como acidente de trabalho, que
pode ser assim definido: "(...) é o que ocorre pelo exercício do
trabalho a serviço da empresa (...), provocando lesão corporal ou
perturbação funcional que cause a morte, a perda ou redução da
capacidade para o trabalho, permanente ou temporária"; "(...) sofrido
pelo segurado no local e no horário de trabalho, em conseqüência de
ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou
companheiro de trabalho".
Segundo
o Manual de Manejo da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho, em
"trabalhadores que sofrem situações descritas na definição da doença,
em circunstâncias de trabalho, o diagnóstico de TEPT, excluídas
outras causas não ocupacionais, permite enquadrar esta doença no Grupo I
da Classificação de Schilling, ou seja, o 'trabalho' ou a 'ocupação'
desempenham o papel de 'causa necessária'. Sem eles, seria
improvável que o trabalhador desenvolvesse esta doença".
Indica-se
a emissão da CAT quando da ocorrência de um caso de TEPT relacionado
ao trabalho, pois este instrumento aciona a vigilância em saúde
pública, passo também importante para a prevenção primária. O
reconhecimento do TEPT no contexto do trabalho bancário é importante
para orientar serviços de saúde, administradores e profissionais de
recursos humanos a promover a prevenção de TEPT com intervenções na
organização do trabalho. Com isso, haverá maior proteção aos
trabalhadores, treinamentos adequados, suporte psicológico e acesso
aos serviços de saúde, visando à melhoria da qualidade de vida.
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